Para sempre Aracy

Nesta matéria, o editor de conteúdo do site Vitória Régia, Mauricio Guilherme Jr. fala um pouco do seu encontro com a talentosa atriz que acaba de nos deixar.
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Foi nos bastidores do espetáculo Fulaninha e Dona Coisa (texto de Noemï Marinho, direção de Marco Nanini) que conversei pela primeira vez com Aracy Balabanian.
Uma lenda pra mim, desde os meus tempos de criança, quando minha tia avó Cidinha assistia Nino, o Italianinho, na legendária Tv Tupi de São Paulo. Um pouco depois, já na TV Globo, me lembro de quando ela entrou na novela O Primeiro Amor, contracenando com Sérgio Cardoso (falecido faltando poucos capítulos para o final da novela e substituído pelo impecável Leonardo Villar).

Com Juca de Oliveira em Nino, o Italianinho (1969).

Em O Primeiro Amor (1972).

E absolutamente inesquecível, para um garoto de 9 anos na época (1972), foi sua participação como Gabriela, na versão nacional de Sesame Street, aqui Vila Sésamo. Com a mesma verdade que a vi representar dezenas de outras personagens, quando eu já era um adulto, a assistia contracenar com o enorme pássaro azul e bicudo, que atendia pelo nome de Garibaldo (vivido pelo saudoso ator Laerte Morrone).

Com Laerte Morrone (Garibaldo) e Roberto Orozco (Gugu) no infantil Vila Sésamo (1973).

O que sempre me impressionou demais no trabalho de Aracy é a sua capacidade de desenvolver personagens de universos completamente diferentes e criá-los de forma tão distinta que, às vezes, fica quase impossível relacionar todos eles a uma mesma pessoa. Característica típica das grandes atrizes de composição. É comum as emissoras de televisão escalarem seus atores para papéis muito similares em obras diferentes, tentando assim repetir o sucesso de algum deles já conseguido no passado. Por sorte ou por competência mesmo (os diretores sabem que podem contar com ela), Aracy é uma das raras atrizes que escapam dessa mecânica.

Em A Próxima Vítima (1995).

A impagável Dona Armênia de Rainha da Sucata (1990).

Mesmo sabendo do que ela é capaz, impossível não ser surpreendido por suas composições. Onde estava a austera matriarca Filomena Ferreto (de A Próxima Vítima), quando a impagável Dona Armênia (de Rainha da Sucata e Deus Nos Acuda) estava em cena? Como estas duas mulheres tão opostas, criadas pelo autor Sílvio de Abreu, habitaram o corpo e a alma de uma mesma atriz?

Com Paulo Gracindo em O Casarão (1976).

Com Walmor Chagas em Locomotivas (1977).

Daquela mulher contida e reprimida, personagem de uma obra prima da teledramaturgia chamada O Casarão, de Lauro César Muniz (Violeta) para uma charmosíssima dona de um badalado salão de beleza, ao lado da grande Eva Todor, em Locomotivas, de Cassiano Gabus Mendes (Milena) existe um abismo de distância. E quando, finalmente, trabalhamos juntos no seriado humorístico Sai de Baixo, não consegui notar nem uma fagulha da batalhadora e popular cobradora de ônibus Maria-Faz-Favor (em Coração Alado, de Janete Clair) na grã-fina decadente, residente do Largo do Arouche, Cassandra Mathias Sayão.

Em Coração Alado (1980).

Aliás, quando entrei para a equipe de redação do Sai de Baixo (daqui de São Paulo), levado pela mão do multitalentoso Flávio de Souza (ele era chefe da redação), posso dizer que Aracy era o “meu rosto amigo na multidão”. Entrei quando o programa já tinha dois meses no ar e uma “guerra fria” instalada nos bastidores entre elenco e equipes de redação (a outra equipe era do Rio). E no meio disso, a direção. Daniel Filho era chefe do núcleo, Dênis Carvalho e José Wilker revezavam-se como diretores. Um dia de gravação no Teatro Procópio Ferreira (SP), pra nós, redatores, era pisar em campo minado. A qualquer momento uma explosão poderia acontecer. Pra falar a verdade, tudo poderia acontecer. Especialmente, vindo do elenco. Uns por concentração em seu próprio trabalho ou mínima vontade de socializar, nos ignoravam. Outros, por antipatia ou mesmo falta de educação, poderiam ser rudes e atacar nosso trabalho em alto e bom som, pra quem quisesse escutar. Ofensas diretas e sem meias palavras não eram incomuns. Mas nem todos se comportavam assim. E, deste bloco, meu oásis maior estava na presença de Aracy.

Como a falida socialite Cassandra em Sai de Baixo (1996).

Como ela mesma disse, um dia, para nossa equipe de redatores paulistas (Flávio, Elias Andreato, Rosana Hermann e eu)… “Podem vir, sem susto, sem medo”. Sim, porque pisar naquele teatro chegava a dar medo. Até os diretores enlouqueciam com as intempéries de uma parte daquele elenco. Como se pode ver, nem sempre uma comédia vista pelo público, tem o mesmo clima alegre em seus bastidores.
Até para Aracy, pelo menos no início da série, eu imaginava ser difícil de se acostumar com o clima geral do programa. Extremamente profissional, presenciou cenas de alguns colegas mais compatíveis com um grupo de teatro amador de colégio.

No teatro, interpretando a matriarca de O Tempo e os Conways.

Enfim, nesta época, ela brincava comigo de que eu seria seu biógrafo. Isto porque eu estava ajudando o meu chefe Flávio, numa biografia da fantástica Marília Pera. Depois, quando a equipe de São Paulo saiu do programa, só nos encontrávamos muito esporadicamente, quando eu ia ao Rio, ou ao Projac, por algum motivo. E foi exatamente no Rio, muitos anos atrás, quando fui cumprimentá-la por sua belíssima atuação no espetáculo O Tempo e Os Conways, de J.B. Priestley, direção de Eduardo Tolentino, que ela me disse algo que lembro (e como lembro!) até hoje.
“Existe muita bobagem sendo feita por aí, coisas que surgem, mas não criam raízes, não duram. Mas este, de qualidade, profundo e que toca a alma, este é o Teatro que vai ficar. Este é o que fica pra sempre!”
Verdade, minha querida Aracy. Só o que é verdadeiro é que fica para sempre.

Aracy Balabanian (1940 – 2023)

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